Oct 4, 2008

Amigos - Fernando Pessoa

Meus amigos são todos assim; metade loucura, outra metade santidade.
Escolho-os, não pela pele, mas pela pupila, que tem bilho questionador e tonalidade inquietante
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero a resposta, quero o meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco. Louco que senta e espera a chegada da Lua cheia.
Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.
Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim; metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Pena, não tenho nem de mim mesmo, e risada, só ofereço ao acaso.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade a sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos, nem chatos.
Quero-os metade infância, metade velhice. Crianças, para que não esqueçam do vento no rosto, e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem sou, pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca esquecerei de que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril.